Mais um caso de justiça e tribunais. Desta vez gritante decisão do Ministério Público. JP. é vítima de furto: cheques, cartões bancários e documentos de identificação. Participa à polícia, cancela os cheques e demais documentos. Passado ano e meio é notificado para prestar declarações. Assim fez, contando como foi assaltado e juntando cópia da participação crime que fez na polícia. Até aqui tudo bem. Mas eis que voltou a ser chamado, no âmbito de outro processo, mas desta vez para ser constituído arguido. De vítima a criminoso, assim, sem mais nem quê!
Achou escandaloso e repugnou o facto. E porquê? Porque o Ministério Público, órgão que dirige o processo, ter-se-á limitado a ver um cheque devolvido e não curou de saber se a assinatura correspondia ou não à ficha bancária. O cheque tinha a menção de “cheque roubado”. Mas nem assim. Constitua-se arguido! E depois que se defenda. E para que se saiba ser-se arguido num processo não é o mesmo que prestar declarações no mesmo processo como testemunha. É que sendo-se arguido tem-se mais direitos, é certo, mas enquanto potencial criminoso, enquanto presumível prevaricador da legalidade. E depois os correlativos deveres e a sujeição à medida mínima de coacção: prestar Termo de Identidade e Residência (TIR). JP., depois de ser constituído arguido, tem que se manter sempre ao dispor da autoridade judiciária e não pode mudar de residência ou dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o local onde possa ser encontrado.
O Ministério Público podia e devia, antes de mais, apreciar o seguimento a dar à participação que lhe foi apresentada. Devo mandar constituir arguido este cidadão? Ou devo, antes, preocupar-me em convocá-lo para saber se foi assaltado ou não, se é verdade o que está escrito no cheque? Devo ainda, antes de tudo, pedir ao banco cópia da ficha bancária deste cidadão para verificar se a assinatura coincide ou não? Devo preocupar-me com a forte possibilidade, em face dos indícios existentes, de este cidadão ser uma vítima, sendo demasiado violento constituí-lo como arguido assim, sem mais? Devo preocupar-me com este cidadão ou mando seguir o processo contra ele? Eu que represento a legalidade democrática, e a legalidade democrática assenta, antes de tudo, em princípios e no respeito de direitos a reconhecer aos cidadãos: a sua dignidade, a sua honra, a sua vida privada, o seu bom-nome?
Que acham que fez este Sr. procurador-adjunto do Ministério Público? Que JP. se constitua arguido, que se dane a legalidade democrática, depois que se defenda. E entretanto o estigma da condição de arguido carrega-lhe os ombros quando de arguido não devia ter nada. É esta a sensibilidade dos nossos magistrados do Ministério Público? Onde está a razoabilidade, a ponderação e o respeito pelos direitos dos cidadãos? É que direitos de cidadão-arguido prescinde concerteza JP., e em benefício do Sr. procurador-adjunto.
JP. não se vai calar. A história ainda mal começou.